segunda-feira, julho 12, 2004

Lênin and McCartney

Liverpool, começo da década de 60. Dois jovens proletários chegam a um ponto crítico em suas vidas. Precisam decidir se entram para valer na ala esquerda do movimento trabalhista ou formam um conjunto de rock. Paul McCartney tenta convencer seu amigo John Lenin que o rock tem mais futuro do que uma Inglaterra socialista. Lenin insiste:
- Na política podemos transformar o mundo. Com o conjunto de rock nunca seremos nada a não ser um conjunto de rock. Não transformaremos coisa alguma.
- Quem sabe? -diz Paul, dedilhando seu baixo. - Como é mesmo aquela canção que você fez para o sindicato, a que termina com "e os patrões para o cadafalso"?
- "It's been a hard day's work..."
- Essa. Eu pensei em mudar para "It's been a hard day's night"
- Isso não faz sentido, Paul.
- Por isso é que eu gosto. E no fim, em vez de matar os patrões, a gente podia falar de amor. "You make me feel all right", qualquer coisa assim.
- Mas tira todo o conteúdo político!
- É. E aquela sua outra música, "Quero segurar um estandarte vermelho..."
- O que é que tem?
- Mudei para "Quero segurar a sua mão".
- Ah, ótimo. Isso vai revolucionar o mundo. Já posso ver as massas oprimidas marchando e cantando: "Quero segurar a sua mão..."
- Yeah, yeah, yeah.
- Sei não...
- Yeah, yeah, yeah, John!
- Está bem.

Formam o conjunto. Mesmo depois do sucesso, Lenin não se convence. Ele e McCartney têm longas discussões sobre o que estão fazendo.
- Você não vê? - diz McCartney.
- Estamos mudando o jeito das pessoas pensarem!
- Até agora só mudamos o corte do cabelo delas.
- O cabelo, a mentalidade, o comportamento, tudo. Isso é que é revolução.
- Mas as estruturas sociais continuam as mesmas...
- "Help"!
- Não, é sério, Paul. Parece que tudo está mudando e tudo continua o mesmo.
No que interessa, nada mudou.
- Tudo mudou! Os jovens invadiram o mundo. Estão ditando as regras. Tudo que estamos dizendo é dêem uma chance à paz.
- Mas continua a exploração, continua a fome, continua a injustiça.
- O caminho é longo e cheio de voltas.
- É preciso mudar a sociedade de classes, as relações de produção...
- Let it be, John.

Corta para Zurique, 1917. Vladimir Ulianov, vulgo Lenin recebe a notícia de que os alemães permitirão que ele, a mulher e um pequeno grupo passem pela Alemanha num trem fechado e entrem na Rússia, onde a revolução está vitoriosa. Do grupo, fazem parte, entre outros, Zinoviev, Radek, Karpinsky e McCartney. Este é uma figura pouco conhecida com quem ninguém conversava muito. No trem, a caminho da estação Finlândia, de Petrogrado,e do seu encontro com a história, Lenin ouve de McCartney:
- Você tem certeza que é isso que quer?
- Mas que pergunta! É por isso que eu tenho lutado toda a minha vida.
- Você sabe, claro, que não teremos mais tempo para as nossas canções...
- Eu sei. Mas liderar a maior revolução social de todos os tempos é mais importante do que algumas boas rimas. Não é?
- Talvez.
- Por sinal, adaptei aquela sua canção "Hey Jude". Para usar na chegada. Ficou "Hey Kerensky"...
- Você sabe que vai ter que mandar matar gente, que cometerá injustiças. Pense no que isso fará com a sua alma.
- Minha alma é de borracha.
- Adeus para sempre, campos de morango.
- Eu sei. Mas vamos transformar o mundo.
- Você acha mesmo que conseguirá?
- Com um pouco de ajuda dos meus amigos.
- Mas nada, realmente, mudará.
- Tudo mudará.
- Ob-la-di, ob-la-da.
- O quê?
- Nada. Uma rima inconseqüente. Parem o trem que eu vou descer.
- O trem não pode parar, Vem comigo, McCartney.
- Não.
- We can work it out.
- Não.
- Com a minha careca, não faríamos sucesso na música. Vem.
- Sei não...
- Ya, ya, ya, Paul.
- Está bem, John.

Luis Fernando Veríssimo

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